quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Ex-exilados voltam à Santiago

Veja a trajetória de Dirceu Messias, Presidente da Fritid,  com duros enfrentamentos e superações na sua constante luta por uma sociedade mais justa e igualitária.

“Todos os dias a gente apanhava”, conta ex-prisioneiro
Quarenta anos após golpe de Pinochet, brasileiros voltam ao Chile
Em 11 de setembro de 73, tropas atacam Palácio da Moneda/Prensa Latina / AFP / CP
/ Prensa Latina / AFP / CP

O homem franzino e de fala suave prefere não ser chamado de senhor. “Quem passou o que eu passei no Chile aprende que isso não existe”, responde. Dirceu Luiz Messias, 72 anos, esforça-se para lembrar cada detalhe. Para isso, escreve algumas frases em pequenos pedaços de papel.

• Quarenta anos depois, de volta ao exílio no Chile

Falar sobre os quatro meses em que esteve preso nos estádios Chile e Nacional – dois dos mais temidos campos de concentração da época – é como uma terapia. “Meu psiquiatra disse que eu tenho que ‘vomitar’ tudo”, explica. É o que ele faz.

Ex-funcionário da CEEE e sindicalista, Messias ainda carrega no corpo as marcas do golpe que testemunhou há 40 anos. As dores na coluna e os problemas urológicos o acompanham até hoje, assim como um problema na fala. Ele havia chegado ao Chile em 1971. Após liderar greves e militar no clandestino Partido Operário Comunista (POC), foi perseguido pela ditadura brasileira. As passagens pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social) eram frequentes, e o exílio surgiu como última alternativa.

Morador do bairro La Reina, Messias foi capturado dois dias após o golpe, na pequena metalúrgica em que trabalhava na região central de Santiago. Como a esperada resistência não aconteceu, ele e os demais funcionários estavam desarmados quando militares entraram no local derrubando a porta a pontapés. “Nunca vi um homem tão pálido como o capitão que entrou lá”, descreve Messias, em tom de desprezo. “Colocou-nos no chão, com a ponta da metralhadora na cabeça. Se visse que eu era estrangeiro, tinha me arrebentado ali mesmo.”

O primeiro destino após a prisão foi o Estádio Chile, uma quadra poliesportiva onde Messias conheceu o cantor chileno Victor Jara, defensor do socialismo que viria a ser morto dias depois. Hoje, Jara dá nome ao mesmo ginásio. Não havia interrogatórios, apenas espancamentos. “Ali foi desatada a brutalidade. Todos os dias a gente apanhava lá. Não sei como resisti”, conta. “Deixavam a gente com as mãos encostadas na parede e iam puxando até cair. Minha cervical ficou toda arrebentada. Ou então chegavam chutando por trás os testículos.”

A “solução”, segundo ele, era tentar dormir. Messias acomodava-se em um dos degraus da arquibancada e pousava a cabeça sobre um par de luvas. Ao acordar, os presos recebiam uma bolacha e um copo de café. “Às vezes, era só isso para o dia inteiro”, recorda. Assim, os dias pareciam ser mais longos – por isso Messias não tem idéia de quanto tempo permaneceu no Estádio Chile. Logo, ele estaria no Estádio Nacional, o maior de Santiago, onde os vestiários haviam sido transformados em celas. No mesmo local estava a maioria dos prisioneiros estrangeiros – entre eles, muitos brasileiros.

No Estádio Nacional, Messias acredita ter sido uma das cobaias da experiência dos militares em torturas com choques elétricos. Amarrado a uma cadeira com um capuz, ele vestia apenas um calção e tinha um fio amarrado na coxa. “Não sei porque, mas os olhos doíam mais do que o resto do corpo. Aí eles repetiam isso algumas vezes.” Diferente do que ocorria na prisão anterior, agora o brasileiro era interrogado. “Eram interrogatórios como se vê nos filmes, com luzes no rosto e eles querendo saber tudo o que era possível”, afirma. Messias não contou nada.

Diariamente, ouvia-se o barulho dos fuzilamentos. Em certa ocasião, Messias ouviu de outro prisioneiro que, além dos presos políticos, os militares também estavam eliminando homossexuais e “ladrõezinhos”, com o objetivo de “limpar os arredores”. Dias depois, viu um homem vestido de maneira “extravagante”, acompanhado de um jovem indígena – provavelmente seu companheiro –, a caminho de um corredor. Os dois foram fuzilados. “O primeiro conseguiu esboçar um sorriso amarelo e o indiozinho chorava, enquanto caminhavam para a morte”, recorda o brasileiro.





Feliz Natal” e o recomeço na Suécia

Uma data, pelo menos, está bem viva na memória do ex-prisioneiro político. É o dia 25 de dezembro de 1973, quando o comandante do avião que o levaria para o exílio na Suécia desejou um feliz natal aos passageiros. Messias sentiu a sensação de liberdade novamente. Graças à intercessão da embaixada do país europeu no Chile, ele e um grupo de exilados latino-americanos haviam sido salvos. Cantando o hino da Internacional Socialista em espanhol, o grupo despediu-se do pesadelo.

Messias iria parar na cidade de Flen, onde recomeçou sua história. “Devo à vida, nesse período, à embaixada, que nos adotou”, confirma. O embaixador da Suécia na época, Harald Edelstam, será homenageado com o nome de uma praça em Porto Alegre. A trajetória dele durante o regime militar do Chile foi registrada no filme El Clavel Negro.

Na próxima semana, Messias irá voltar pela primeira vez ao Chile após 40 anos. Ele gravou um depoimento em vídeo, que será exibido no Museo Nacional de La Memoria, espaço destinado a contar a história do regime militar no país. “Vou para cumprir o dever que ainda tenho com o Chile”, justifica.

O exilado voltou ao Brasil um ano após a Lei da Anistia, que foi promulgada em 1979. Hoje, Messias vive em Porto Alegre e é presidente da Federação Riograndense da Terceira Idade. Dois de seus três filhos – Camilo e Leonardo – nasceram no Chile. O terceiro, Pablo, é natural de Porto Alegre.

 Na próxima semana, Messias irá voltar pela primeira vez ao Chile após 40 anos / Foto: Ricarod Giusti

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