domingo, 25 de julho de 2010

Estatísticas sobre a terceira idade

A pesquisa "Idosos no Brasil - Vivências, desafios e expectativas na 3ª Idade, com dados coletados e reunidos pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, e, 7 de maio de 2007, permance ainda como um referencial relevante da situação desse segmento da população brasileira. Por isso, publicamos aqui os comentários da psicóloga e professora da Unicamp Anita Liberalesso Neri, que participou do lançamento nacional da pesquisa. Ela enfatizou a representatividade da amostra – foram ouvidos 2136 idosos com 60 anos e mais e 1608 jovens e adultos de 16 a 59 anos em 204 municípios das cinco macro-regiões do país – garantiu a generalidade dos dados.

Outro aspecto metodológico ressaltado por Anita Liberalessu foi a adoção do auto-relato, ou seja, “a pesquisa deu chance para uma boa quantidade de respostas estruturadas pelos participantes”. Com essa metodologia, segundo ela, cria-se a possibilidade de aprofundamento em alguns aspectos revelados pela pesquisa.

“Uma pesquisa como essa aguça nossa curiosidade”, revela Anita que dividiu seus comentários em 12 tópicos, segundo os resultados que mais lhe chamaram a atenção.

Veja a seguir as considerações de Anita Liberalesso Neri sobre a pesquisa dos idosos:

1) Independência econômica e produtividade dos idosos. Os dados mostraram os idosos como um segmento essencialmente urbano, embora cerca da metade fosse proveniente da zona rural, indicador do forte processo de urbanização vivido pelos Brasil nas últimas décadas. Nada neles lembra os idosos dos estereótipos, pois a maioria tem renda própria e é produtiva, visto que 36% fazem parte da População Economicamente Ativa. Embora com renda e escolaridade mais baixa do que a população jovem e adulta, a maioria mora em casa própria e é chefe de família ou contribui para o sustento da família, que geralmente é conjugal, isto é, composta pelo casal de idosos, mas que também pode abrigar filhos e netos. Se os dados da produtividade e da chefia familiar são bons, pois mostram que os idosos têm boa chance de serem independentes, por outro lado denotam a perversidade da economia que semeiam baixos salários e desemprego entre os mais jovens, fazendo com que não tenham e talvez nunca cheguem a ter as mesmas condições econômicas de seus pais. São bons também porque essas condições são uma proteção contra os maus tratos. Infelizmente ela diminui na idade avançada, quando os idosos contribuem menos para o bem-estar dos mais novos e têm um custo financeiro e operacional mais alto para as famílias.


2) Feminização da velhice. A maioria dos homens são casados, há muito mais viúvas entre as mulheres do que entre os homens e, sim, há mais mulheres do que homens idosos, mulheres essas que são mais pobres, menos escolarizadas, mais doentes e solitárias do que os homens, configurando o que a literatura gerontológica chama de processo de feminização da velhice. Esse fenômeno é visível no Brasil, na América Latina e em todo o mundo. A feminização da velhice é reconhecida como uma forte demanda para as políticas de saúde e proteção social e uma candente questão de justiça social, pois se trata de retribuição das contribuições que as mulheres ofereceram e oferecem à sociedade, representadas pela maternidade, pelos cuidados aos filhos, à casa e ao cônjuge, cuidados pelos quais são responsáveis até a velhice, quando se tornam cuidadoras também de outros idosos e dos filhos e netos de mulheres jovens que têm que sair de casa para trabalhar.


3) Religiosidade. A maioria dos idosos disse ter uma religião, a maioria católica. Esse dado mostra um efeito coorte, isto é, esse segmento sempre terá sido religioso e mais religioso do que os jovens e adultos atuais porque cresceram sob a norma social da obrigatoriedade de professar uma religião. Parece estranho, mas é bom lembrar a possibilidade de usa-la como amortecedor das adversidades da velhice, principalmente para os mais pobres, que têm menos controle sobre elas.


4) Baixa escolaridade e analfabetismo funcional (49% dos idosos), baixo acesso ao computador (10%) e à Internet (4%). Essas condições implicam em falta de acesso à informação sobre a saúde e sobre os direitos civis. Alem disso, esses idosos foram vítimas de privação crônica de acesso a bens e oportunidades sociais durante todo o curso de vida. Isso se reflete em condições piores de saúde, cuidados à saúde, moradia etc. e são irreversíveis. A única esperança para eles é em medidas remediativas que parece estarem longe de se concretizar, a despeito das melhoras sociais representadas pela universalidade do acesso à benefícios da Previdência e ao SUS.


5) Presença de filhos. Seja como for, mesmo considerando que cresce o número de famílias brasileiras em que o chefe é um idoso e que cresce a freqüência de coabitação de filhos e netos por causa do desemprego, dos baixos salários, da violência urbana, de separações conjugais entre os jovens, a presença de filhos é maior garantia de amparo na velhice do que sua escassez. Inclusive, o auxilio financeiro prestado pelos mais velhos pode funcionar como garantia contra maus tratos. O fato de os jovens e adultos terem menos filhos, os expõe mais ao risco da indisponibilidade de cuidados familiares quando foram velhos. Se até lá a sociedade oferecer melhores condições econômicas aos idosos, instituições de longa permanência, cuidados domiciliares e outros apoios que venham a suprir a ausência da família, os futuros idosos brasileiros podem ter expectativa de uma velhice mais amparada. Do contrário, uma velhice com muitas adversidades por causa da falta de apoios os espera.


6) Centralidade da doença e da dependência física nas descrições que os idosos e os não-idosos fazem da velhice. Esse é um dado universal, que ultrapassa espaço e tempo. Nada há de mais verdadeiro de que a velhice prenuncia o fim da vida e é isso que os seres humanos temem, mais do que à própria morte. Essa não é uma reflexão filosófica ou uma frase de efeito, mas um dado de pesquisa. O fato de os idosos negarem a velhice – denotado pelo costume de acharem que velhos são os outros porque têm mais anos vividos, ou são mais doentes, ou são mais feios – só confirma a carga negativa com que se encara a velhice. Nesta pesquisa, a idade assinalada como do inicio da velhice é 70 anos, ou seja 10 anos mais do que manda a norma da OMS e de parte da legislação civil no Brasil. Por outro lado, demarcar o inicio da velhice aos 70 anos é indicativo de que a faixa dos 60 aos 70 ainda é vivida com suficiente saúde, independência e produtividade para poder ser chamada de vida adulta. De fato, essa é uma tendência mundial, tanto que a literatura gerontológica dos países desenvolvidos já chama essa fase de velhice inicial, e fala de velhice avançada em relação a idades superiores a 80 anos.


7) Baixa prevalência de opiniões negativas em relação à velhice entre os idosos e os não idosos, mas estes pontuaram um pouco mais alto do que aqueles em opiniões negativas (idosos como incapazes, ultrapassados, desinformados, desprezados, e passiveis de discriminação ou maltratos). No entanto, ¾ de ambas as amostras disseram conhecer traços negativos dos idosos. Eu acredito que estes dados, em si, não signifiquem preconceitos, ou que sejam preditores de comportamentos de afastamento em relação a idosos. Eu penso que eles refletem conhecimentos sobre a velhice e, nesse sentido, decorrem das observações que ambos os grupos fazem todos os dias. Eu observei a mesma coisa numa pesquisa de levantamento que fiz há 19 anos, aplicando uma escala diferencial semântica a uma amostra de brasileiros não-idosos. Juntando as respostas com conotação positiva e negativa, temos refletido um grande painel correspondente ao que existe objetivamente na vida social e às idealizações, expectativas e medos em relação à velhice.


8) “É melhor ser idoso hoje do que há 20 ou 30 anos”. Houve unanimidade entre os não idosos e os idosos entrevistados quanto a esta avaliação e com ela nada mais fizeram do que externar o óbvio. De fato nessa período melhoraram sensivelmente as condições dos idosos brasileiros porque, apesar de tudo, houve progresso social. Outro elemento importante foi que, desde os anos 1960, vem ocorrendo um aumento sem precedentes na visibilidade social dos idosos, seja porque de fato aumentaram em número, seja porque várias instituições sociais passaram a atender a esse segmento e a trabalhar em defesa dos direitos das pessoas idosas. Estiveram inclusive na base da construção da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso. O SESC é uma dessas instituições. Alem disso, observam-se várias mudanças em costumes relativos ao bem-estar, à estética e a comportamentos, em grande parte tangidos pela mídia e pela sociedade de consumo, que vêm criando novos padrões e expectativas do que é ser velho. Então, o velho de hoje não segue mais o figurino de seus pais e muito menos o dos seus avós e se descreve como satisfeito com a vida. Isso é positivo para a construção social da velhice, porque sinaliza para a sociedade que há outras formas de envelhecer, mais positivas do que antigamente. No entanto, como tudo tem um limite, esse limite são as realidades da velhice, cuja percepção faz e sempre fará que se tenha sentimentos negativos em relação à ela.


9) “Existem preconceitos em relação à velhice no Brasil, mas eu não sou preconceituoso”. A frase pode parecer incoerente, mas é equivalente à situação em que as pessoas se dizem não racistas e não sexistas, mas contam e riem de piadas com esse teor. Falam dos requintes da cultura brasileira na arte da dissimulação. Devem ser interpretadas como uma forma de responder a padrões sociais apontados como corretos e como forma de responder à dissonância cognitiva gerada por informações tidas como indiscutíveis em comparação com o que as pessoas vêem e fazem. Felizmente para todos, existe um hiato entre as atitudes e os comportamentos observáveis. Assim, não é comum que as pessoas abertamente rejeitem, critiquem ou ofendam membros de uma categoria que é alvo de preconceito.


10) “Envelhecer é um privilegio”. “As melhores coisas da velhice são a experiência de vida, a sabedoria e o tempo livre, principalmente se estiverem garantidos a proteção familiar, a independência econômica e o desfrute de direitos sociais”. “Os idosos têm muita coisa para ensinar, mas não conseguem acompanhar as mudanças do mundo moderno”. Eis as idealizações dos idosos e dos não-idosos entrevistados sobre a velhice. Em parte elas refletem uma visão tradicional de velhice, de certa forma incompatível com a visão renovada que apareceu em resposta a itens já comentados. No que tange à proteção familiar, à independência econômica e ao desfrute de direitos sociais, refletem uma expectativa irreal para grande parte dos idosos de hoje. Será incoerência? Não. Essas respostas denotam que a velhice é uma realidade heterogênea e que entre as suas muitas faces estão as da vida real, as idealizações e os conteúdos simbólicos que em parte orientam os esforços individuais e sociais rumo à uma boa velhice, em parte ajudam as pessoas a lidar com sua velhice.


11) “Os idosos sentem necessidade de namorar”. Esta opinião teve alta freqüência entre os idosos homens e entre os jovens, mas foi menos freqüente entre os idosos de modo geral e entre as mulheres idosas em particular. De fato, estão ocorrendo mudanças em valores e comportamentos sexuais entre os mais velhos, em grande parte tangidas pelas ideologias da existência dos “novos idosos” e do direito que todos têm ao prazer e à auto-determinação, uma vez que estão livres do jugo das obrigações familiares e do trabalho. Elas encontram em vários segmentos da sociedade de consumo parceiros ávidos em busca de mercado para remédios, roupas, produtos de maquiagem e serviços e os idosos parecem estar respondendo aos apelos, da mesma forma que se vê na outra ponta, crianças respondendo aos apelos de erotização precoce. O lado preocupante desse cenário é o da exposição a doenças sexualmente transmissíveis, uma vez que a pesquisa apontou que quase a metade dos idosos entrevistados acreditam que idosos são não contamináveis.


12) A maioria dos idosos (73%) disse saber da existência do Estatuto do Idoso, 61% por ouvir falar, mas muito poucos o conhecem. Mesmo assim, 77% reconhecem direitos que o Estatuto não poderia deixar de consagrar, principalmente no âmbito da saúde e da aposentadoria e reconhecem os benefícios das passagens de ônibus gratuitas, da prioridade em filas. Oitenta e quatro por cento nunca se sentiram maltratados ou discriminados. Esses dados indicam que, embora estejamos avançando em termos da oferta de proteção social e de respeito aos direitos dos idosos ainda estamos muito longe de poder festejar a consciência sobre os direitos, que é um direito garantido pela educação. Enquanto não existir um sistema realmente universal de educação fundamental de qualidade, nós não poderemos ter esperança de mudanças reais nos direitos sociais dos idosos porque, como usuários dos serviços sociais eles não terão a força para provoca-las e acompanhar sua implementação e sua eficácia. As citações feitas pelos idosos – direito a passagens gratuita, a dispensa de filas e aposentadoria/pensões – são uma amostra de quão poucos aspectos da realidade chama sua atenção sob a rubrica de direitos civis. Haveria tanto a mencionar quanto ao Sistema de Saúde, à Justiça e à proteção social e os idosos não o fizeram. O fato de existir um pouco mais de conhecimento sobre o estatuto do idoso entre os não-idosos é uma esperança para as próximas coortes de idosos, que dentro de 30 ou 40 anos sairão dos que hoje são jovens. É sinal também de que eles têm mais acesso à educação, um sinal de que, apesar de tudo, estamos evoluindo enquanto população.
Conclusões

Anita Liberalessu ressalta que é grande a profusão de dados da pesquisa e que ela “tem potencial para funcionar como um marco para as políticas e práticas sociais em relação ao idoso no Brasil”. Ela aponta o que se pode depreender desses dados apontados pela pesquisa para sugerir caminhos para os esforços de cientistas sociais e praticantes da Gerontologia no Brasil. Ela divide os temas em três partes: a primeira, é a dos desafios sociais em vários domínios a resolver; a segunda, o que envolve a melhoria da vida dos idosos, no médio prazo; e a terceira, os principais desafios a longo prazo.

Os desafios sociais em vários domínios a resolver - alguns exemplos: o aumento da esperança de vida aos 60 anos; a feminização do envelhecimento; a pobreza dos idosos; o baixo nível educacional dos idosos; a exclusão social dos idosos; e os preconceitos dos governantes, gestores de políticas públicas, geriatras e gerontólogos.
O que envolve, a médio prazo, a melhoria da condição dos idosos: informar, apoiar e incentivar financeiramente as famílias para que cuidem bem dos seus idosos; garantir acesso a todos os idosos a bons serviços básicos de atenção à saúde; fiscalizar os serviços oferecidos nos asilos e nos hospitais; formar recursos humanos para atender idosos; melhorar a qualidade e a distribuição dos serviços de saúde; garantir acesso universal dos idosos a serviços de atenção primária à saúde; aumentar a cobertura dos serviços do PSF a idosos; aumentar a rede de instituições para idosos; melhorar a renda dos idosos; reajustar as pensões e aposentadorias; e criar alternativas de atividade, participação e valorização social.

Os principais desafios a longo prazo: melhorar a qualidade da educação fundamental; aumentar a escolaridade da população; investir em programas de saúde materno-infantil; investir em programas de educação em saúde ao longo do curso de vida; gerar mais alternativas de trabalho, que gerem renda, que permitam às populações viver com mais qualidade.
“Envelhecer bem é um empreendimento de longo prazo”

Tanto no âmbito individual como no âmbito da sociedade, Anita entende que o envelhecimento é um empreendimento de longo prazo e que devem ser priorizados a infância e a juventude porque em qualquer sociedade, são os mais jovens que garantem a boa qualidade de vida dos idoso

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